
Pingos d’água estão escorrendo pela minha janela. O cheiro gostoso de terra invade o ar da minha casa. Podia estar em paz, pensando em mil coisas agradáveis, mas me veio a mente um caso triste que testemunhei. E infelizmente, um caso vivido por centenas de pessoas.
Na época em que era jornalista policial, me chegava a arrepiar até a unha em dias de chuva. Ribeirão Preto vinha passando por fatos isolados de enchentes e nós, repórteres, éramos acionados para ir cobrir a calamidade e presenciar o desespero de famílias que tiveram suas casas inundadas pela água.
Mas nada foi tão traumático quanto a tragédia que acometeu a cidade numa madrugada de fevereiro de 2002, por conta de duas horas de uma forte tempestade. Seis bairros e mais parte do Distrito de Bonfim Paulista ficaram destruídos, desalojando 660 famílias. Me lembro como se fosse hoje o caos que vi, um dos maiores, senão o maior que a cidade já sofreu em se tratando de enchentes.
Equipes de TV de toda a região estavam lá, de calças dobradas até o joelho, capas de chuva e um sentimento de piedade enorme ao ver idosos e crianças serem resgatados por botes do Corpo de Bombeiros. No dia seguinte, a destruição ficou mais iluminada: o que se podia ver eram famílias inteiras sem rumo retirando toda a lama de seus móveis e tentando resgatar algumas fotos, documentos e recordações que foram levados pela água barrenta. Fora, o medo da contaminação de doenças, iminente naquela situação.
Oito anos se passaram e a sensação que temos é que as obras de contenção feitas na cidade serão a salvação milagrosa para as inundações, principalmente na avenida Francisco Junqueira, tão calejada que todos estabelecimentos comerciais contam com uma barreira de aço para impedir a entrada da água do rio. Mas não! Isso é apenas parte de muitas providências. Outras tantas têm que ser tomadas por nós, cidadãos.
Existem questões ambientais e de engenharia, mas uma fatia da população é parte do problema das enchentes. Enquanto o Brasil for habitado por alguns indivíduos acostumados a jogar lixo nas ruas e nos rios [e não serem punidos], não há ação do município ou governo que consiga impedir tragédias como as inundações. Enquanto um povo porco e sem educação joga lixo pra fora da janela do carro, bueiros e galeriais pluviais serão entupidos e muitas famílias que moram próximas aos córregos, ribeirões e rios, infelizmente ainda irão sofrer as consequências da imundície.
Cuidar da nossa cidade é como cuidar de nossa casa. Isso é viver em sociedade. O mesmo sujeito que zela pela higiene e comodidade de sua família é um egoísta sem escrúpulos quando descarta uma garrafa pet em via pública. E jogar o lixo no lugar certo, de preferência separando-o para reciclagem, não é favor, mas sim obrigação em prol da comunidade, da natureza que nos acolhe e das gerações futuras.
Conquistas de uma vida inteira sendo levadas pela correnteza é algo que nunca mais quero ver nem ao vivo, nem pela TV e, muito menos, no meu próprio lar. Agora que já desabafei, me sinto de alma lavada para curtir um pouco mais dessa chuva bem-vinda que vem amenizar o calor de nossa cidade.