E, numa madrugada fria de inverno, ela acorda mais
esparramada que das últimas vezes. Despertou com os pés gelados, descobertos. Sempre
sentiu frio nos pés, mesmo em dias de verão quando a brisa vinha mais gélida,
mas, naquela noite, faltava mais que uma meia, mais que um cobertor.
A cama parecia agora ser ideal para seu corpo que,
pela primeira vez, descansava de verdade, desimpedido nos lençóis. Engraçado
que ela era pequena, mas gostava de espaços não-delimitados, característica de
sua personalidade livre segundo o zodíaco; contraditoriamente tão livre que adorava a sensação
de se sentir livre mesmo estando apaixonada.
O frio em seus pés percorreu todo seu corpo quando se viu naquela realidade que não buscara, mas que fora obrigada a tomar como sua. Enquanto tratava de se aquecer, o sono ia de
vez embora, num despertar forçado e envolto em lembranças de uma época que ela
sentia saudade, mas que não cabia mais naquele quarto que já foi tão feliz.
Grandes eram seus sonhos. Tão grandes que quase não cabiam
em seu minúsculo esqueleto leve e frágil. Seu poder de criar futuros felizes era
tão imenso quanto o de ter que reformá-los conforme as circunstâncias da vida. Jovem
e bela, não costumava se deixar abater, sempre com seu sorriso grato, mas naquela noite ela merecia o luto de enterrar suas memórias mais lindas. E chorou
baixinho, de frio e de pena de si mesmo.
Exausta de brigar com o travesseiro, abriu a janela, acendeu
um cigarro de menta e pediu conselho para as poucas estrelas encobertas pelas nuvens escuras,
mas elas brilhavam pouco e não estavam pra conversa. A cama quente a esperava com mais compaixão.
A noite passou, dolorida de frio. Ou apenas dolorida. E o amanhecer
chegava explicando com doçura que um dia tudo ficaria escondido na noite
escura, sem que ninguém, nem ela mesmo, pudesse se dar conta. Mesmo que ela
ainda precisasse usar meias.